CAPÍTULO 4
AMÉLIA
A sala parecia estar fria por dentro, a mesa
metálica e a iluminação cegante davam essa impressão. Eu olhava a inquietação
de Shirley através do espelho falso, enquanto esperava meu colega. Já fazia
quase meia hora que havíamos deixado ela sentada naquela cadeira dura.
- Então – Tyler pareceu ter brotado do meu lado com
uma pasta amarela, não muito cheia – Rafael Costa de Lima, brasileiro, chegou
aqui em 2012. Imigrante legal. Sem antecedentes. Só uma multa de trânsito em
maio de 2014. – Ele fechou a pasta e a segurou debaixo no braço – Eu não acho
que ele tem alguma coisa a ver com o homicídio.
- Nem eu. Mas temos que interroga-lo. Eu estou mais
preocupada com o tal de Newton. – desviei a atenção para a sala novamente –
Conseguiu alguma coisa sobre ele?
- Não muito. Ele é daqui mesmo. Fariq Abdul Bassam,
33 anos.
- Hã.
- Vamos?
Entramos na
sala. Gelada como eu imaginava. Tyler jogou a pasta brutamente na mesa fazendo
Shirley pular alguns centímetros sobre a cadeira. Sentamos em silêncio e a
encaramos.
- Shirley – comecei – pode começar explicando porque
diabos tem um esconderijo secreto por trás daquele quadro esquisito no seu
cabaré.
- O que? Um esconderijo? Eu juro que não fazia
ideia. O que tinha lá? Como eu já disse não costumo entrar naquela sala.
- Por que eu não acredito nisso? – Tyler murmurou,
porém alto o suficiente para Shirley ouvir e surtar.
- É sério, eu juro. Já foi sorte o suficiente a sala
estar aberta. Somente Newton entra lá, e ele não gosta que ninguém mais entre,
então normalmente ele leva a chave com ele. Mas ele não está aqui na cidade,
ele está viajando. Ah meu Deus, por favor, eu não fiz nada. Eu mal falava com
Mosby. Não tenho motivos para matar nem ele nem ninguém.
- Viajando?
- É, eu não sei para onde. Não faço a menor ideia. Mas
sei que ele não está na cidade.
- E a família dele?
- Bom, até onde eu sei, ele só tem uma tia, que mora
em Abu Dhabi.
- Hum.
- Ok. Já temos o suficiente. – me levantei e Tyler
me seguiu.
- Mas, espera, e eu? – Shirley se desesperou.
- Está liberada, Senhora Shirley. – falei.
- Diga para manterem o
olho nela – Tyler sussurrou e saiu.
- Tem certeza sobre
isso? – Tyler choramingou – E se descobrirem? Você sabe que nós seriamos
demitidos na hora, né? O chefe já não gosta de mim, ele está doido para me
mandar para o olho da rua, ah sim, eu aposto.
Subíamos as escadas do luxuoso prédio em que
o tal de Newton morava, seu apartamento ficava no décimo oitavo andar. Nós
ainda estávamos no quinto e eu já estava morrendo.
- Relaxa – falei
arfando – Como é que você consegue?... não tá... nem... suando.
- Eu não sou um
sedentário como você. Já ouviu falar em um lugar chamado academia? – ele me
olhou como se eu fosse uma criatura grotesca, e o pior que eu não podia
culpa-lo, eu estava arfando demais, parecia uma cachoeira de suor e minha voz
estava falha, comecei a me lembrar das aulas de educação física da época de
escola, e como eu as odiava.
- HA HA – OK, eu
parecia uma louca – Acho que me arrependi de não ter ido pelo elevador.
- Mas você disse “é
melhor irmos pelas escadas, pode haver uma câmera no elevador”. – disse num tom
de voz extremamente agudo.
- Eu sei o que disse –
o interrompi – Mas agora isso não parece ter importância.
- Nãaaaooooo,
imagina... Só os nossos empregos estão em jogo. Enfim, aguenta firme, só faltam
quatro andares.
Finalmente chegamos ao maldito andar e eu não
conseguia mais sentir minhas próprias pernas. Entrei no corredor
silenciosamente, havia duas portas, uma em cada extremidade.
- Apartamento 1801 –
sussurrou Tyler.
- Será que tem alguém
dentro do outro apartamento? – me perguntei. Tyler rapidamente cruzou o
corredor e encostou o rosto delicadamente na porta. Seu rosto transpareceu o
nervosismo e sua cabeça sinalizou positivamente.
Peguei o kit de abrir fechaduras e comecei a
tentar abrir aquela porta. As vozes do outro lado da porta vizinha começaram a
se intensificar, serio que aquele povo havia decidido sair agora? Tyler
respirava pesadamente por cima do meu ombro. Conseguíamos ouvir o barulho de
chaves tintilando. Ouvi o estalo a tranca desbloqueando e girei a maçaneta
desesperada. Estávamos dentro.
- Apartamento chique para um dono de um
estabelecimento acabado feito aquele, não acha?
- Sim – de fato
apartamento era muito extravagante, cheio de objetos decorativos grandiosos
como uma mini cachoeira em um dos cantos da enorme sala e uma estátua de um
cachorro branco gigante como o do Joey em Friends,
tinha também uma televisão quase do tamanho a parede e quadros coloridos da
Marilyn Monroe e do David Bowie por toda sala de jantar. – Algo não se encaixa.
- Esse local é enorme.
Melhor começarmos a procurar.
Vasculhamos o apartamento inteiro de ponta a
ponta e não encontramos nada suspeito, e acredite havia umas coisas bem
estranhas naquele lugar.
- Olha o que eu achei
– Tyler saiu gargalhando com uma máscara preta de látex na cara, ela tinha
spikes dourados espalhados.
- IIIUUU – encostei em
uma parte suja e rapidamente limpei na manga do meu parceiro - ela é grudenta.
Cara, guarda isso. Esse Newton tem cara de ter uns fetiches bem... peculiares –
lembrei de uma sessão um tanto incomum em seu closet que eu desejava não ter
visto.
De repente ouvimos uma voz alta vindo do
corredor.
- Como assim já é a
terceira vez eu ela falta? Ela tem que fazer o checkup todo mês.
Olhamos espantados um para o outro e começamos
a correr a procura de um canto para nos escondermos.
- Amélia – Tyler sussurrou sinalizando para
que eu entrasse por uma porta no corredor, ela parecia estar escondida no
painel que revestia as paredes dos corredores.
A pessoa começou a abrir tentar abrir a porta,
corri para dentro do que parecia ser um closet.
- Ela está sob
supervisão, não é? Quem? Saraiva? E onde essa criatura está? Olha amanhã a
gente resolve isso melhor, certo? Não me incomode mais por hoje. – Newton
suspirou alto e pulou no sofá. A televisão foi ligada e passava o que parecia
ser um jogo de basquete.
- Será que é o Newton?
Check up? Do quê ele está falando? E
quem é esse Saraiva? – sussurrei para Tyler que tirou seu precioso bloquinho e
começou a fazer anotações. Ele ainda vestia aquela máscara esquisita, o que me
causou arrepios, eu estava presa com ele em um local pequeno e escuro, somente iluminado
pela luz fraca da tela do meu celular que estava bem próximo de descarregar.
Era assustador.
- Você procurou por
esse lugar? – perguntei.
- Não, nem havia
notado essa porta, ela está muito camuflada.
- Hum, talvez nosso
cara esteja escondendo algo aqui – “Finalmente”, pensei. Comecei a tatear pelas
paredes de madeira e Tyler estava revistando uns casacos pesados que Newton
mantinha lá.
- Psiu – passei mão
novamente por aquele local. Sim, era um pouco mais elevado, rapidamente
encontrei uma irregularidade na superfície e sacrifiquei minhas unhas na tarefa
de abrir aquilo. O pedaço de madeira caiu em minhas mãos revelando o fundo
falso. Enfiei minha mão lá dentro com medo do que pudesse encontrar, e tremi
quando senti algo gelado e sólido. Puxei o que parecia ser um medalhão. Ele era
em formato de olho e possuía um rubi em seu centro, atrás tinha uns números
gravados.
- 07425607.
- O que isso
significa?
Já fazia horas que estávamos ali sentados
naquele chão frio, meu celular havia finalmente descarregado e nós não sabíamos
que horas eram, a última vez que olhei tinha dado 21:30. Newton havia passado
para o seu quarto fazia apenas vinte minutos.
Eu não conseguia parar de olhar apara aquele
olho e os números, o que seriam? Tyler já havia feito uma lista de todas as
coisas possíveis. Embora nós nem tivéssemos certeza de que aquilo tinha alguma
importância ou não. Poderia não significar nada. Poderia simplesmente ser só um
colar qualquer. No entanto as circunstâncias diziam o contrário.
Ouvimos roncos alto vindos do fundo do
apartamento.
- Vamos – me levantei. Balancei o ombro do
Tyler quando percebi que ele havia cochilado – Ei, Brandon, acorda.
Saímos cuidadosamente do closet e em seguida
do apartamento. Descemos as escadas em silêncio.
Apesar do barulho intenso no andar de cima,
a única coisa que se podia ouvir naquela sala fria e escura era a sua
respiração pesada. Todas as oito telas na parede a sua frente mostravam as
mesmas duas pessoas em diferentes ângulos. O som dos passos se aproximando não
lhe tirara o foco nem por um segundo, a sede de vingança tinha lhe despertado
um lado que nunca imaginara ter, era como estivesse se apaixonando. Se
apaixonando pela sensação de poder.
- Eles caíram, Mestre? – a voz rouca de
Morgan preencheu o silêncio que pairava naquela sala por horas.
- Ah, sim. Tudo como planejado. – sorriu.
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